Vox – é o novo Conta da Aia? (resenha do livro)

Título original: VOX (320 páginas)

Autor: Christina Dalcher – Tradução: Alves Calado

Editora Arqueiro (www.editoraarqueiro.com.br)

Preço médio: R$ 19,90 – R$ 25,00

Tempo de leitura: entre 08 e 10 dias (mas dá pra ler em 03 tardes se você tiver tempo).

Essa edição é de 2018, não é de capa dura, a arte da capa ilustra bem a ideia geral da história, porquanto o X do título é usado fechar a boca da modelo; o título é envernizado, não tem folha de guarda, só algumas críticas na primeira página.

Nas orelhas tem um pequeno extrato da obra com 100 palavras contadas, para ilustrar o quão pouco são 100 palavras e na outra apresentam a autora, na contracapa está escrito apenas “O silencio pode ser ensurdecedor” e a hashtag #100palavras.

A história se passa num futuro próximo em que um grupo cristão radical (chamado de Movimento Puro) tomou o poder nos EUA. A partir daí decretam que TODAS as mulheres só podem falar 100 palavras por dia, para isso elas usam um dispositivo no pulso que fará a contagem e que zera todos os dias à meia noite, caso elas ultrapassem este número o contador dá um choque. É neste mundo que iremos conhecer a história da Jean, a protagonista, que antes das mulheres serem proibidas de trabalhar, ela era neurocientista especializada em afasia e reconhecida em todo mundo por suas pesquisas. Ela é casada e tem 4 filhos e entre eles uma menininha de 5 anos, que também usa o contador no pulso.

A leitura flui muito bem durante quase todo livro, a maioria dos capítulos são curtos, mas do meio para o final a narrativa fica um pouco mais lenta, já nos últimos capítulos a história ganha um ritmo frenético até o final. E apesar de ter achado o final um pouco apressado eu recomendo muito a leitura.

Importante lembrar que o livro é escrito em primeira pessoa, nós só conhecemos a versão da Jean dos fatos e a sua visão das pessoas. Lembrem-se ao ler que um narrador em primeira pessoa NUNCA é confiável. E, assim como em Bird box, a autora usa os flash backs para mostrar como era a vida da protagonista antes de tudo mudar e como a sociedade caminhou para aquilo.

As mulheres falam aproximadamente de 15 a 20 mil palavras por dia e no livro elas podem falar apenas 100, sem gesticular para se comunicar, isso torna o relato extremamente brutal, a narrativa chega a ser claustrofóbica, porque parece que a protagonista está presa dentro de si mesma, tentando desesperadamente se fazer ouvir. É cruel demais vê-la ensinando a sua filhinha a usar o mínimo possível de palavras para não ultrapassar a cota diária. É angustiante e em determinado momento aquele silêncio vai se tornando tão opressivo, que fica realmente ensurdecedor.

VOX é uma distopia como o Conto da Aia e nos dois casos o governo foi tomado por grupos fundamentalistas cristãos, que tiram das mulheres inúmeros direitos, como de votar, ler, escrever, trabalhar etc. No entanto, apesar das premissas similares são histórias diferentes. Por exemplo, em o conto a aia a violência do Estado está muito presente e quase gráfica; já em Vox essa violência fica subentendida no texto, e há uma lavagem cerebral sendo feita nas escolas, nos jovens, para garantir o futuro daquele regime (essa doutrinação nas escolas rende ótimas cenas entre a Jean e seu filho mais velho). Outra diferença é que em Vox as mudanças foram graduais e o Movimento Puro chegou ao poder “legitimamente”.

As histórias tomam rumos diferentes, mas em ambos eu me peguei pensando em vários momentos: será que algo parecido com isso poderia acontecer no mundo? Aqui? E a resposta que me vinha a mente era sim, e isso torna as duas histórias extremamente assustadoras. E como eu disse acima vale a leitura principalmente por mostrar como nós não lutamos pelo que acreditamos, como sempre há algo melhor para fazer do que ficar atento ao cenário político, até o dia que colocam o contador em seu pulso.

Vector illustration of the word Spoiler Alert in red ink stamp

Vox é, sobretudo, um livro sobre inercia, a protagonista  sempre ficou inerte por que achava que nada iria atingi-la.

Em muitos momentos do livro eu senti muita raiva da Jean, achei ela muito egoísta e também achei o romance dela desnecessário, como a narração é em primeira pessoa ela vê o amante como um grande herói, mas as atitudes dele em momento algum me convenceram disso.

Mesmo com algumas criticas Vox é uma ótima leitura que em vários momentos nos assusta, nos faz pensar e, até, temer o futuro.